Técnica de controle ecológico mostra bom resultado contra praga do milho-doce

Usadas com sucesso no monitoramento da mosca-das-frutas, as armadilhas Mhail se mostram eficiente também no controle da mosca-da-espiga

05.07.2021 | 20:59 (UTC -3)
Sandra Brito

Pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas-MG) utilizaram uma técnica inovadora na cultura do milho-doce para controlar uma das piores pragas dessa espécie: a mosca-da-espiga. Trata-se de um processo de controle ecológico, que usa armadilhas Mahail nas lavouras para atrair as fêmeas adultas do inseto, impedindo a sua reprodução. Esse modelo de armadilha comercial já é usado com sucesso no monitoramento de moscas-das-frutas. O método mostrou bons resultados e representa uma possibilidade concreta de controle de pragas do milho-doce, o que não era conseguido com produtos químicos, biológicos e variedades transgênicas. Além disso, agrega sustentabilidade ao produto final, beneficiando produtores e indústrias.

O milho-doce é uma cultura de relevância comercial no Brasil. Dos cerca de 36 mil hectares cultivados, praticamente 100% da produção é destinada ao processamento industrial para consumo humano, especialmente para fabricação de milho enlatado, com movimentação em torno de R$ 550 milhões por ano. Também chamado de milho especial, esse segmento tem crescido nos últimos anos e a tendência é manter esse cenário, visando os mercados interno e externo. 

No entanto, a cultura é muito suscetível aos insetos fitófagos (que se nutrem de matérias vegetais) em praticamente todas as fases de desenvolvimento, incluindo os grãos na espiga, um local de difícil o aos métodos tradicionais de controle no milho convencional. 

“As pragas que mais atacam as espigas de milho doce são a lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea) e a mosca-da-espiga (Euxesta ssp.). Elas causam danos às lavouras e perdas econômicas ao produtor e à indústria de processamento, pois as fêmeas de ambas as espécies têm preferência por colocar seus ovos nos estilo-estigmas (“cabelos” da espiga)”, explica o pesquisador Ivan Cruz, da Embrapa Milho e Sorgo.

Segundo ele, em menos de uma semana, as larvas eclodem e imediatamente começam a se desenvolver, inicialmente nos estilo-estigmas. Depois, as larvas am a se alimentar do grão em formação, permanecendo nesse local até a colheita da espiga.  Os danos nos estilo-estigmas podem impedir a fertilização, provocando falhas e reduzindo o número de grãos. E os danos diretos nos grãos reduzem a produtividade e a qualidade dos produtos. Quando associados aos ocasionados por microrganismos fitopatogênicos, são as principais causas de depreciação do produto, especialmente para a agroindústria.

Controles químico e biológico são ineficientes contra a mosca-da-espiga

Cruz relata que o controle das pragas que causam danos aos grãos, quando realizados por meio de pulverização tradicional, utilizando produtos químicos ou até mesmo biológicos, geralmente não é eficaz, especialmente por não atingir a larva no interior da espiga e protegida pela palha. “A aplicação de produtos químicos ainda conta com o risco de deixar resíduos tóxicos nos grãos que se destinam ao consumo humano. E o uso de cultivares geneticamente modificadas (milho Bt) também não surte o efeito pronunciado sobre as pragas da espiga, especialmente em relação à mosca”, diz o pesquisador. 

Para os insetos da ordem Lepidoptera, que na fase larval são as lagartas, o controle biológico pode ser realizado com sucesso por meio da liberação de parasitoides de ovos como o Trichogramma spp, uma vespinha capaz de parasitar os ovos, impedindo o desenvolvimento do inseto. Mas, como explica Cruz, ainda não havia tecnologia para controlar eficientemente a lagarta adulta e nem a Euxesta. 

A mosca-da-espiga geralmente está associada com uma bactéria que quando presente no milho enlatado “pode conferir ao produto acabado um cheiro desagradável, que o torna imprestável para consumo, ocasionando prejuízos econômicos tanto para o agricultor como para a agroindústria”, completa.

O engenheiro agrônomo e analista do setor de Transferência de Tecnologia da Embrapa Milho e Sorgo, Sinval Lopes, orientando de Cruz, acrescenta que “o problema é agravado quando ocorrem várias tentativas de controlar a praga com inseticidas químicos. O alto número de pulverizações aumenta a concentração de resíduos químicos no produto final. E resíduos de pesticidas acima dos limites máximos permitidos por lei constituem uma barreira às exportações de alimentos processados”, diz.

A inovação da pesquisa com o uso da armadilha Mhail mostrou eficácia no controle biológico de fêmeas adultas da Euxesta e, por isso, tem potencial para suprir a falta de métodos adequados para controlar os danos causados à cultura do milho-doce. 

O trabalho resultou na publicação do artigo Management of Euxesta spp. in Sweet Corn with Mhail Traps (Manejo de Euxesta spp. em milho-doce com armadilhas Mhail), no periódico Neotropical Entomology, de autoria de Lopes, sob orientação de Cruz.

Armadilhas usam atraente alimentar para capturar os insetos

A pesquisa foi realizada em uma lavoura de milho-doce, irrigada por pivô central, na Embrapa Milho e Sorgo. Foram utilizadas 12 armadilhas Mhail contendo como atraente alimentar uma proteína hidrolisada de milho. As armadilhas foram distribuídas em uma área aproximada de oito mil metros quadrados cultivados com milho-doce. As fêmeas são então atraídas em busca do alimento e não conseguem sair da emboscada. “Nossa meta foi reduzir a população de fêmeas da praga e, como consequência, diminuir o desenvolvimento de larvas. Esse método não causa danos econômicos aos grãos suficientes para proporcionar perdas de produtividade no campo, na agroindústria e até mesmo em campo de produção de sementes”, explica Cruz. 

“Com essa tecnologia buscamos aumentar o rendimento da lavoura e minimizar os resíduos de pesticidas no milho e no meio ambiente. Uma premissa das Boas Práticas Agrícolas”, acrescenta Lopes.

Em estudos prévios, Cruz e sua equipe demonstraram a existência de duas espécies de mosca, Euxesta eluta e Euxesta mazorca (esta citada pela primeira vez no Brasil), e ambas, especialmente as fêmeas, são atraídas para as armadilhas Mhail, bem antes da presença de estilo-estigmas no milho, o local preferido para a postura. 

Uma das primeiras pesquisas publicadasprimeiras pesquisas publicadas por Cruz, em 2011, demonstrou a eficiência de diferentes atrativos alimentares associados às armadilhas de Mhail no monitoramento da mosca-da-espiga (Euxesta ssp.) nas lavouras de milho. Isso validou o uso da Mhail no manejo da praga.

Experimento bem-sucedido: fêmeas na armadilha e poucos danos aos grãos

Na área do experimento com o uso da armadilha Mhail, o controle de pragas foi realizado também para as lagartas Spodoptera frugiperda e Helicoverpa. A presença delas na espiga pode atrair a mosca-da-espiga, mostrando relação de infestação entre diferentes pragas. “Por isso é preciso realizar o controle de forma integrada”, explica Lopes. 

Todas as armadilhas receberam atrativos alimentares. Em seguida, foram realizados os tratamentos e as coletas necessários para análise. A cada 10 dias, todos os insetos capturados eram contados e separados por espécie e sexo. Apenas as moscas Euxesta eluta e Euxesta mazorca foram encontradas.

Segundo o engenheiro agrônomo, a ocorrência de machos das duas espécies nas armadilhas foi insignificante em todas as épocas de avaliação, comparado com o número de fêmeas. Tal fato pode ser explicado pela necessidade de alimentação da fêmea antes da oviposição. “O pico de ocorrência da praga foi no período entre a emissão do estilo-estigma e o enchimento de grãos. O dano médio nos grãos foi muito baixo e não houve interação entre os parâmetros de produção e a distância entre a armadilha e a planta colhida”, diz.

Diante dos bons resultados obtidos pela pesquisa, o analista constata que o uso da armadilha Mhail, contendo atrativos alimentares, é uma alternativa viável para controlar a mosca-da-espiga. “Considerando a inviabilidade de controle da praga por outros métodos, podemos afirmar que o resultado do trabalho gerou uma tecnologia capaz de reduzir os prejuízos ocasionados pela praga e propiciar ganhos para a cadeia produtiva do milho-doce”, conclui.

Milho-doce em livro

No livro “O cultivo do milho-doce”, os autores relatam que “o milho possui uma enorme variabilidade genética para a composição do endosperma, a qual tem sido explorada pelo homem, dando origem a diferentes tipos do cereal. O milho-doce diferencia-se dos outros tipos de milho pelas mutações sofridas que lhe proporcionam maiores concentrações de açúcares no endosperma. A botânica e a reprodução do milho-doce são idênticas às do milho comum”.

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

ar grupo whatsapp
Agritechnica 2025